Existe uma antiga “filosofada” sobre a natureza intrínseca dos seres humanos. “O homem é bom”, dizia Rousseau, o sonhador francês, ao atribuir as barbaridades do mundo à corrupção da vida em sociedade. “É bom o escambau”, disse muito antes um tal de Hobbes, o inglês do Leviatã, desconfiado que era de qualquer bicho falante e sorridente.
Canil Para Cachorro Louco não deixa de ser uma reflexão acerca desse debate. Reflexão sub-reptícia, que fique claro, pois o compromisso primordial do filme está com a sempre exigente arte da narrativa. O objetivo foi contar uma história que envolvesse o que temos de mais limpo e mais podre em termos de humanidade, mas lá pelas tantas podemos encasquetar com uma pergunta que jamais terá resposta definitiva:
“Somos bonzinhos ou malvadinhos?
O professor Genésio, protagonista, sempre andou na linha com o trabalho, a família e tudo aquilo que certamente denomina “dever cumprido”. Mas lá vem a dúvida: andou na linha porque tem autonomia, ou porque foi vigiado pelos guardiões daquilo que justamente chamamos de “dever cumprido”, família e trabalho? Será que ele não foi sempre um cachorro louco criando coragem para um dia fugir do canil?
Ah, agora o título da obra ficou mais evidente, não?
“A gente vive num canil”, diz o colega endiabrado que leva o professor ao crime. “Um canil pra cachorro louco!”
Os filmes de suspense e as sátiras sociais costumam investir nesse motor do pessimismo para fazer a trama avançar. Como as coisas não podiam ser diferentes para o nosso audiovisual, então, sim, o filme está concordando mais com Hobbes e menos com Rousseau, mas isso não significa que não haja alguma esperança no final. Não falo aqui em conformismo, tampouco covardia, sentimentos que o pobre Genésio conhece demais.
A esperança pode estar no sonho, no devaneio, no delírio, mesmo com os riscos de se virar as costas para a realidade comezinha do canil – ou canis, já que coleiras é que não faltam por aí. Quem assistir à última cena do filme, enquanto sobem os créditos, vai entender o que digo.
Se os títulos fossem honestos, o filme dever-se-ia chamar Fuga de Um Canil Para Cachorro Louco. Mas os títulos são o que são, e os filmes também. Rousseau que se contente em mamar a foto enquanto espera a sua vez.