Canil Para Cachorro Louco – Capítulo 6

Publicação em capítulos do conto que deu origem ao roteiro do média-metragem
Eram dois homens altos e decididos. Impossível ver os rostos deles porque um terceiro elemento, que permaneceu ao volante, jogou luz alta nos olhos do professor. Maicon ficou de pé ao lado do carro, arregalado e boquiaberto, segurava a chave de roda com a mão direita. Seria tolo o bastante para reagir?
— Tudo bem, tudo bem — conciliou o professor. — Podem levar o carro. A chave está no contato.
— Levar como? — disse um dos homens. — Não vê que o pneu tá furado? Vamos! Ao trabalho!
— Peraí — intrometeu-se Maicon. — Acho que escolheram o carro errado.
— Cala a boca.
— Vocês não sabem o que estão fazendo.
— Cala a boca, pô!
— Não roubariam esse carro se soubessem que…
O homem atirou para o alto. Maicon voltou a se agachar e trabalhar no pneu. Esbaforido, posicionou o macaco e num instante levantou o veículo. Tremendo e quase chorando, o professor se aproximou e ajudou no que pôde.
— Rápido! — gritavam os assaltantes. — Mais rápido!
Quando terminaram o serviço, foram obrigados a entregar as carteiras.
— E os celulares?
— Esqueci o meu em casa — disse o professor.
— Não uso essas porcarias — disse Maicon.
Os homens ficaram desconfiados.
A essa altura, o professor já conseguia encarar seus problemas com certa resignação. Por sua vez, Maicon mantinha-se irritantemente arregalado. Tinha um trunfo na manga? Ainda tentaria algo?
— Para o mato! — ordenou um dos homens. — Quinhentos passos para longe da rodovia, devagar e sem olhar para trás. Depois podem voltar e pedir carona.
— E isso? — perguntou Maicon, mostrando o macaco e a chave de rodas.
— Larga a mão de ser besta, mané! Bota logo no bagageiro. Mas cuidado, valeu? Bobeia pra ver se não leva um teco no rabo!
O professor já estava bem afastado da estrada. Pôs as mãos atrás da cabeça sem que ninguém lhe pedisse. Anteviu uma cena horrível, adivinhou que algo bizarro aconteceria, virou-se esperando o pior. Mas Maicon não fez nada de mais. Apenas abriu o porta-malas — ostensivamente abriu o porta-malas — e deu de ombros. Os bandidos não esperavam ver o que viram. Recuaram, assustados.
— Que diabo é isso?
— Eu tentei avisar. Vocês não roubariam esse carro se soubessem que…
— Fica quieto, seu imbecil! Quer morrer, quer?
O terceiro homem saiu da caminhoneta:
— Que merda é essa, meu?
— Eu sei lá! Vamos dar um fim neles?
— Deixa. Pode sobrar pra gente depois.
— Então o que…
— Melhor dar no pé. S’embora, s’embora!
Abaixaram as armas, voltaram para a caminhoneta, sumiram na noite escura. Maicon fez um tchauzinho gozador, mas só quando teve certeza de que não corria mais perigo.
O que havia no porta-malas?, pensou o professor. Voltou para perto do carro, curioso. Entendeu por que Maicon não quis que pegasse o macaco e o socorro, por que o mandou buscar uma lanterna inexistente no porta-luvas. Estava escondendo alguma coisa no bagageiro.
— Filhos da puta! — desabafou Maicon. — Só são homens com pistolas na mão. Mas viu como correram, viu? Bando de maricas!
O professor deu mais alguns passos em direção à traseira do veículo.
— Lamento se coloquei nós dois em perigo, mas o senhor estaria fodido se levassem o carro. Desculpe o palavreado, é que fiquei muito nervoso. Puta lo caralho, que adrenalina!
— Eles não fugiram por nada, Maicon. O que foi que viram aí atrás?
— Uma coisinha à toa.
— Não tente esconder mais nada de mim.
— Tem razão, professor. Pode olhar. Mais cedo ou mais tarde, o senhor vai ter que enfrentar os seus próprios fantasmas.
Apesar da luz vermelha, que piscava, a cena não deixava dúvidas. Havia dois corpos socados no porta-malas. Um homem, que estava com a cabeça e as pernas quebradas, um dos sapatos perdido, a camisa tingida de sangue e os cabelos escangalhados; e uma mulher, mais atrás, que aparecia em parte de sua nudez, usava apenas calcinha e, sem querer, exibia as escoriações dos braços e da face. O professor gemeu. Teve a impressão de que a moça abriu os olhos para perscrutar sua alma cheia de culpas.
Um murmúrio:
— O que… você… fez… Maicon…
E um grito:
— O que você fez?!
— Esses dois queriam destruir a vida do senhor.
— Você é doente. Doente! Disse que estávamos viajando para encontrar com eles e negociar.
— Quem disse isso foi o senhor.
— Pelo amor de Deus, Maicon, você matou duas pessoas!
— Por que não para de gritar, hein?
— Como consegue ficar tão calmo?
Maicon bateu o porta-malas, com força. Virou-se para voltar ao volante.
— Adianta fazer alarido? Vamos antes que mais alguém resolva encostar, talvez até a polícia.
— Eu não vou a lugar nenhum. Eu não tenho nada a ver com isso.
— Tem sim, professor.
— Não tenho, não! Que desgraça! Nós vamos para a cadeia, vamos para a cadeia… não… não… você vai… foi você que matou… eu não… eu não fiz nada…
— Ô saco! Já pedi para parar de gritar.
— Os assaltantes! Eles vão nos denunciar.
— Vão nada. É tudo gente que tem ficha na polícia. Pra que se envolveriam se só querem ficar livres para roubar em paz? É por isso que liberaram a gente.
— Faça o que quiser. Eu vou embora.
— Embora como?
— Peço uma carona, vou a pé, não importa.
— Volte para o acostamento, professor. Desse jeito o senhor vai se enfiar debaixo de uma carreta.
— Seria uma solução!
— Volte aqui, por favor.
— Fique longe de mim, seu maníaco! Pensei que você fosse capaz de tudo, Maicon, de tudo, mas não disso. Não disso!
— Temos que nos livrar desse lixo.
— Vá pro diabo!
— Que que foi, professor? Quebro o maior galho e é isso que recebo em troca? Olha, detesto entrar nesses termos, mas não se esqueça de que agora quem tem o laptop sou eu.
— O quê? Você viu o vídeo?
— Claro que não. Mas se for necessário…
— Não brinque comigo.
— Não é brincadeira. Ou me ajuda a enterrar esses dois, ou eu mesmo coloco aquela merda na internet.
— Você não presta. Nunca imaginei que… Espere um pouco, o que pretende com isso?
— Ora o quê! Ajudar, né? Só que preciso de cooperação. Ao contrário do senhor, que está atolado até o pescoço, eu é que não tenho nada a ver com essa história.
— Tem, sim. Botou os dois no seu carro.
— Meu carro! É deles. Pelo menos estava com eles. Vamos logo, professor.
— Mas os assaltantes… Eles ficaram com nossas carteiras, com nossos documentos.
— Eu sei. E ainda temos que passar por um posto policial. Isso quer dizer que as chances de sermos detidos são grandes. Sorte que o tanque está cheio.
— Maicon… por favor… Maicon…
— Pela última vez, professor Genésio Campanelli. O senhor vem por bem, ou por mal?

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