(Crônica publicada nas priscas eras em que havia jornais impressos).
De vez em quando recebo e-mails de pessoas que pedem conselhos de ordem financeira, profissional e até mesmo matrimonial. Nessas ocasiões, ainda que me sinta envaidecido pela consideração, costumo usar o pouco de bom senso que me resta e responder que nada tenho a declarar sobre assunto nenhum. Intrometo-me a escrever essa coluna pelo simples prazer de imaginar minha mãe abrindo o jornal — coisa que ela faz uma vez por ano — e dando de cara com o meu nome ali em cima.
Ontem, porém, diante de uma mensagem mais do que incisiva — “estou pobre, desempregado e abandonado pela mulher, devo me matar?” — reavaliei minha posição de não dar conselhos. Melhor dizendo: contínuo convicto de que não darei conselhos, vou vende-los, de preferência num consultório, como fazem os psicanalistas, mas antes, a título de degustação gratuita, devo recomendar ao nosso suicida em potencial que, em vez de tomar a decisão extrema, leia os livros de Paul Auster, qualquer um, para perceber como as pessoas podem despencar para o fundo de um poço e cair numa vida nova de surpresas e possibilidades.
Tive essa ideia do consultório por causa de um amigo filósofo que passou a ouvir pessoas e recomendar leituras que tratassem de problemas cotidianos. Quem anda muito desapegado da vida pode começar o tratamento lendo os pré-socráticos. Quem se sente culpado pela insistência dos impulsos sexuais deve ler Foucault. Você sofre com insônia? Então leia Kant, uma página é suficiente para derrubar um cavalo. “Filosofia Clínica” foi a expressão que meu amigo encontrou para justificar a abertura de um instituto comercial. Ora, se existe uma Filosofia Clínica, então também pode existir uma Literatura Clínica — menos prolixa e mais variada, diga-se de passagem.
O bom do meu consultório é que posso sugerir livros para terceiros. “Acho que minha mulher está pensando em me trair, doutor, o que é que eu faço?” Peça para ela ler Madame Bovary, ou Ana Karenina, ou O Primo Basílio, ou Dom Casmurro. Nesses romances, as adúlteras sempre morrem no final. “Ah, doutor, acho que minha imaginação erótica anda em baixa” Então recomendo toda a literatura francesa do século XVIII, livros que, dizem, devemos segurar com uma mão só. “Desconfio que meu filho já fumou seu primeiro cigarro de maconha.” Isso talvez não seja tão grave, mas, aconteça o que acontecer, não permita que o moleque se aproxime de Alice no País das Maravilhas.
Cenzão pela consulta já estaria bom para começar.