Sempre que termino de escrever um romance — como ocorreu hoje cedo — lembro do arigó que cavou um poço na casa do meu tio. Mesmo que na época eu não tivesse mais de 10 ou 11 anos, pude compreender a delicadeza da tarefa. Cavar poços exige experiência, sensibilidade e atenção. Por isso não digo “arigó” como quem professa os próprios preconceitos, mas como alguém que admira o mestre de uma arte antiga e às vezes ingrata.
Com a ajuda de um galho de pessegueiros, ele perscrutou o terreno para decidir onde abrir o buraco. Dizem que o galho se contrai — muito sutilmente, é claro — atraído pela água que se encontra há dezenas de metros embaixo da terra. É preciso serenidade nessas preliminares do trabalho. O mínimo erro pode representar dias de suor desperdiçado. Depois de duas horas caminhado com aquele galho de pessegueiro nas mãos, o arigó sentenciou:
— É aqui!
— Tem certeza? — perguntou meu tio.
O arigó sorriu, passou a mão na pá e iniciou a escavação. Dias depois, lá pela metade do buraco, ele se sentou à beira do poço e acabou expressando uma dúvida que já pertencia a todos nós. Estava cavando no lugar certo? Bem, agora era tarde para voltar atrás. Cavou por mais uma semana. Quando chegou a hora de a água verter, nada aconteceu. No teste com o galho de pessegueiro, ele errou por centímetros. O triste é que, se tapasse o buraco para cavar ao lado, a terra frouxa desabaria sobre a nova empreitada.
Restou-lhe começar do zero, no outro lado do terreno.
Todos que se aventuram a escrever um romance correm os mesmos riscos do arigó. Você planeja com o seu galhinho de pessegueiro, tem certeza de que cavará no lugar ideal, sofrerá dúvidas no meio do caminho, num ponto que já não permite retorno, e por isso seguirá em frente, cavando, quer dizer, escrevendo, até levar o projeto à profundidade desejada. Dali sairá água? O leitor é que vai responder. De qualquer modo, com sucesso ou fracasso, você precisa cumprir o seu destino. Vai recuperar o fôlego, vai encontrar um terreno propício e vai cavar um novo poço.
Ler suas crônicas se tornou um momento muito agradável e reflexivo.
Legal, tia. Grande abraço.