Como começar um romance?

Ninguém sabia começar - e terminar - como Nabokov

Escrever um romance não é fácil, como fácil não deve ser encontrar um começo interessante para ele. É que o bom romance mostra a que veio logo na primeira linha:


“Você sabe como é. E ela se sentou na minha frente e cruzou as pernas.”


É desse jeito que Oswaldo França Júnior dá início às aventuras de Jorge, um brasileiro. Antevemos, através dessas palavras, o tom de todas as peripécias que o caminhoneiro viverá pelas estradas (esburacadas) do Brasil.


Outro que conhecia o seu ofício era Machado de Assis. O Bruxo do Cosme Velho sabia tudo de romance, inclusive como começar um. Em certos casos, aliás, ele nem precisava começar. Exemplo? Memórias Póstumas de Brás Cubas. Para entrarmos no clima do livro, basta a leitura da dedicatória:


“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”


Gabriel Garcia Márquez é outro que possui uma invejável noção de início. Duvida? Então abra a primeira página de Crônica de uma morte anunciada:


“No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30m da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo.”

Pronto. Está posta a situação. Sabemos que Santiago Nasar vai morrer, mas não sabemos como nem por quê. Poucas linhas depois, ao descobrirmos que o personagem, ao acordar, “sentiu-se completamente salpicado de cagada de pássaros”, pressentimos todos os mistérios e palpitações que nos serão revelados, aos poucos, lá na frente. Não dá para não ler.


Apesar dos bons romances até aqui citados, é difícil que algum ganhe, em se tratando de começo, da obra-prima do Vladimir Nabokov:


“Lolita, luz da minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo.Li.Ta.”


O perigo e as armadilhas da (falsa?) inocência, bem como a melancolia da trama, já nos atingem com a sonoridade desse parágrafo inicial. Confira lendo o trecho em voz alta.


Bem. Agora que já indiquei uma série de leituras e estão demonstradas algumas formas criativas de se iniciar um romance, só me resta encontrar um jeito menos batido de finalizar esta crônica.

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