Um rápido olhar sobre a imprensa brasileira contemporânea, ou mesmo sobre a imprensa mais antiga, abarcando todo o século XX e boa parte do XIX, revelará a constante e ostensiva presença de cronistas que, nas horas vagas, dedicaram-se também ao romance, o mais braçal dos gêneros literários.
Exemplos temos em Machado de Assis e José de Alencar, em Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz, em João Ubaldo Ribeiro e Carlos Heitor Cony.
Não deixa de ser curioso que os dois grandes extremos da prosa criativa, a crônica e o romance, a primeira tão sucinta e cotidiana, o segundo tão complexo e palavroso, costumem se tocar sob pena de um mesmo escritor.
É claro que há um abismo entre os dois gêneros, mas ninguém pode negar que também exista uma espécie de simbiose entre a tentação do infinito que é o romance e o cotidiano ligeiro representado pela crônica.
Alguém, acho que o próprio Cony, já disse que tanto o cronista quanto o romancista são peixes que não podem viver fora da água.
A diferença é que, por viver no aquário, o cronista desfruta de maior visibilidade, daí os seus malabarismos para se manter em evidência e disfarçar a sua irrevogável condição de superficialidade.
O romancista, por sua vez, é um peixe de águas profundas, quase ninguém o vê, por isso costuma surpreender os que decidem segui-lo para descobrir as belezas de um mundo novo e inusitado.
O mais interessante é que tanto o romancista quanto o cronista, cedo ou tarde estafados por sua solidão, sentem uma irresistível necessidade de bater as barbatanas em outras águas.
Mesmo que corra todos os riscos, chegará o momento em que o peixinho do aquário tentará desbravar o fundo do oceano.
Do mesmo modo, o sisudo peixe das profundezas começará a se perguntar como seria viver, nem que fosse por um tempo, sob as luzes do aquário, na vitrine de uma crônica jornalística.
Mas não devemos encerrar antes de lembrar a antiga máxima musical: “tudo que sobe desce, tudo que vem tem volta”.
Depois de um tempo, donos de experiências conquistadas em outras águas, cada peixe retornará ao seu habitat natural.