A obsessão de Machado de Assis pelo adultério

Como se sabe, Machado de Assis casou-se tarde para a sua época. Tinha 30 anos quando trocou alianças com Carolina Xavier de Novais, também uma “solteirona”, portuguesa de nascimento, descendente de uma tradicional família da Península e, segundo consta, mulher dotada de notável cultura e sensibilidade.


Não tiveram filhos, não transmitiram a nenhuma criatura o legado de nossa miséria, mas, segundo unanimidade dos biógrafos, as quase quatro décadas de vida em comum transcorreram na mais absoluta harmonia e fidelidade. Viúvo em 1904, Machado duraria pouco sem a esposa. A ela dedicou um dos mais belos e conhecidos sonetos de sua carreira:


— “Querida, ao pé do leito derradeiro/ Em que descansas dessa longa vida,/ Aqui venho e virei, pobre querida,/ Trazer-te o coração do companheiro.”


Esse clímax de novela das seis torna o que segue ainda mais significativo. Machado costumava dizer que jamais escreveriam a sua biografia na íntegra, “porque ninguém é mais reservado nessa matéria do que eu”. Era obcecado pelo tema do adultério, sempre presente em seus principais contos e romances. Irônico e mordaz, abordou todos os lados do triângulo amoroso. Memórias Póstumas de Brás Cubas, por exemplo, é a ponta do amante; Quincas Borba, da esposa pulando a cerca; e Dom Casmurro, do marido traído.


Como se isso não bastasse, alguns de seus conterrâneos especularam sobre o que o mestre fazia nas horas vagas. O escritor Humberto de Campos (1886-1934) chegou a sugerir que Machado fosse o pai biológico de um certo M. de A., ou Mário de Alencar, filho de ninguém menos que o político e romancista José de Alencar. Há poucos anos, numa crônica publicada na Folha de S. Paulo, Carlos Heitor Cony ressuscitou a fofoca e afirmou que Dom Casmurro era baseado em fatos reais. Capitu, nesse caso, seria a elegante e distinta Georgina Cochrane de Alencar, esposa do autor de Iracema.


Cogitações à parte — e é isso que torna o assunto interessante —, jamais saberemos a verdade. Não bastasse o fato de que Machado era realmente discreto em seus assuntos pessoais, é possível que tenha mantido, durante toda a vida, uma conduta de marido exemplar. Que foi um escritor perfeito, disso ninguém duvida. Agora, se foi também um adúltero perfeito, nunca pego com as calças na mão, aí a história vai longe, longe…

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *