Apesar da fixação que a TV brasileira tem pelo sotaque dos italianos, o nosso audiovisual ainda não revelou a contento as potencialidades e os sabores do autêntico português macarrônico. Nas inúmeras vezes que realizaram novelas ou minisséries sobre imigração europeia, autores e emissora perderam oportunidades legítimas de trazer à cena, mesmo que superficialmente, duas figuras emblemáticas da cultura ítalo-paulistana.
O primeiro é Antônio de Alcântara Machado, criador de personagens memoráveis como Gaetaninho e Carmela; o segundo, um outro Machado, é Alexandre Ribeiro Marcondes, vulgo Juó Bananére, autor das melhores paródias já escritas em língua portuguesa. Ou melhor, a língua, como se verá adiante, não é exatamente portuguesa.
Futuro arauto dos “intalianinhos”, Alcântara Machado participou da Semana de 22, não no palco, recebendo as vaias, mas na plateia, entre os estudantes que uivavam, relinchavam, cacarejavam e, claro, atiravam batatas no Ronald de Carvalho e no Menotti Del Picchia. Tempos depois fez amizade com Oswald de Andrade, abraçou o movimento modernista e desaguou a prosa cheia de onomatopeias e cortes cinematográficos que caracteriza a maioria dos seus contos.
Brás, Bexiga e Barra Funda é sua obra-prima. No prefácio, a que tecnicamente chamou Artigo de Fundo, já relembrava, com humor afinado, os estranhamentos entre os brasileiros donos do pedaço e os imigrantes que chegavam para fazer a América:
— “Carcamano pé de chumbo, calcanhar de frigideira, quem te deu a confiança de casar com brasileira?”
Velho habitante dos livros didáticos, Alcântara Machado já deu bom-dia e boa-noite à razoável quantia de brasileiros escolados. Infelizmente, não é o que acontece com Juó Bananére. Apesar de bater à porta de inúmeras cartilhas e apostilas, sua obra, pelo menos por enquanto, encontrou pouco pouso e acolhida.
Natural de Pindamonhangaba, estreou no jornal O Pirralho, assinando irreverente coluna, para mais tarde reunir o melhor de sua produção num livro saborosamente batizado La Divina Increnca. Rei da paródia, desancou textos famosos do Romantismo e do Parnasianismo, então abominados pelos modernistas, numa mescla inteligente de um caipirês à Mazzaropi com o linguajar “cantado” dos ítalo-paulistanos. Se Olavo Bilac escrevia “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo perdeste o senso!”, Juó Bananére respondia “Che scuitá strella, né meia strella! Você está maluco!”
Naturalmente, não deixou de escrever sua Poisia Patriotica, como bem atesta o inesquecível O Studenti Du Bó Retiro, segundo ele um poema premiado “c’oa Medaglia di pratina na insposiçó da Xéca-Slovaca i c’oa medaglia di brigliantina na sposiçó Internazionale da Várzea du Carmo.”
Morreu cedo, em 1933, mal entrado na casa dos quarenta. La Divina Increnca teve edições limitadas e pouco divulgadas, daí o desconhecimento quase generalizado em relação a essa obra tão ímpar e dessacralizadora. De tudo que Juó Bananére produziu, isso na minha modesta opinião de leitor, nada se compara aos seus rápidos e instigantes Versignos. Deixo uma estrofe abaixo, de amostra. Tente ler em voz alta, só para ver o bicho que vai dar:
Barbuleta de aza adurada
Minina de migna paxó!
Agiugué nu giacaré
I perdi meus duzentó!