Por causa da falta de espaço, mas também por questões políticas, ideológicas e falsamente morais, os escritores sempre são apresentados de forma incompleta nos livros didáticos. Datas de nascimento e morte intercaladas por breve histórico biográfico, características genéricas da obra (como se um livro fosse necessariamente igual a outro pelo simples fato de pertencer ao mesmo autor), estudo de um fragmento de texto previamente selecionado e… só! Salvo certos manuais que trazem ilustrações coloridas, a impressão final é a da pasmaceira, da chatice e da coisa mofada.
Que o digam os autores do século XIX. De Joaquim Manuel de Macedo os estudantes descobrem apenas o burguesíssimo namorico entre o Sr. Augusto e a D. Carolina, pitorescamente registrado sob o título de A Moreninha. Esse presumido primeiro romance de nossa literatura é tão bobinho e àgua-com-açucar que, não fosse a linguagem desatualizada, hoje poderia ser guardado na estante do infantis. No bem da verdade, porém, Macedo é um autor riquíssimo, muito maior que A Moreninha, haja vista seus comentários afiados em, por exemplo, Memórias da Rua do Ouvidor e Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro. Isso para não falar de suas sarcásticas peças de teatro.
José de Alencar é outro que acabou simplificado com a pecha de autor indianista. Ninguém pode negar a importância de O Guarani, Iracema e Ubirajara, mas daí a classificá-lo como uma espécie de escritor oficial do segundo reinado é uma grande bobagem. Incansável desafeto de Pedro II e censurado em várias de suas peças de teatro, certamente não houve personalidade mais polêmica e contraditória durante o período monárquico brasileiro. De vez em quando surgem biografias esclarecedoras a esse respeito, como O Inimigo do Rei, de Lira Neto, indispensável em qualquer biblioteca do Ensino Médio.
Mas o caso mais emblemático talvez seja o do escritor mineiro Bernardo Guimarães, muito conhecido por livros mais ou menos convencionais como A Escrava Isaura e O Seminarista. O que quase ninguém sabe, e isso é uma pena, é que, pândego irrefreável, Bernardo se tornou o maior poeta popular (alguns diriam pornográfico) de sua época. Lendárias ficaram pelo menos duas de suas “composições clandestinas”, a tal ponto que, na virada do século XX, dizem, não havia ninguém em Minas que não soubesse de cor os versos de A Origem do Mênstruo, explicação pseudomitológica “daqueles tais dias” femininos, e O Elixir do Pajé, paródia rítmica do sagrado I-Juca Pirama de Gonçalves Dias, que ao mesmo tempo prenunciava “milagres” como o Viagra e o Pramil.
Em tempo: não estou exatamente sugerindo que A Origem do Mênstruo e O Elixir do Pajé apareçam em livros didáticos, mas apenas que, como aqui fiz e reiterei, sejam citados os títulos dessas duas pequenas obras-primas. O resto fica por conta do Google.