Ler dá lucro?

Ler é uma atividade necessariamente ligada à ascensão social? Óbvio que não. Aliás, este é um dos grandes mitos semeados nas entrelinhas das campanhas institucionais que promovem o hábito da leitura. Calma lá!, dirão vocês. Muitas pessoas bem sucedidas em termos de finanças são apegadas aos livros e à reflexão. Certo, respondo eu. Mas muitas outras, a maioria, não são. Olhem ao redor. Ricos ignorantes e orgulhosos dos próprios preconceitos é o que não falta por aí.


Às vezes tenho impressão de que a leitura pode ser um poderoso obstáculo ao acúmulo de riquezas materiais. Quem lê fica mais politizado, é fato, fica mais consciente do seu papel na sociedade. Em compensação, começa a valorizar aspectos da vida que jamais passariam pela cabeça de um sujeito puramente preocupado em adquirir um carro do ano e um apartamento na praia.


Como já escrevi em outras ocasiões, ler é bom, mas também é ruim; é libertação, mas também é o canto sombrio do calabouço; é a conquista da verdade, mas quase sempre de uma verdade dura que, em vez de consolo, traz mais inquietude para nossas vidas.
Ler é uma droga, pronto, falei, um prazeroso vício que nos rouba tempo e sossego, que pode nos jogar na sarjeta, no fundo do poço. Tá a fim? Então venha, sou um traficante camarada, nada cobro e nada exijo das minhas vítimas. Mas aviso que essa é uma aventura tenebrosa. Prepare-se para entregar a alma. É o mínimo que os livros, se lidos corretamente, exigirão de você.


Bem, até aqui fui filosófico. Chegou a hora do pragmatismo. Existem casos específicos em que conhecer livros significa, sim, ganhar dinheiro. Conto uma historinha para exemplificar. Faz um tempo, um vendedor de bugigangas do Rio de Janeiro comprou de uma velhinha, pela bagatela de dois reais, um livrinho antigo e todo rasurado.


O vendedor já havia se arrependido – quem ia querer um livro velho daquele jeito? – quando revendeu a mercadoria a um professor de português. O preço foi 5 reais. Mais do que o dobro, certo? Certo, mas qual não foi a surpresa do negociante ao saber que, no dia seguinte, o professor comercializou o mesmo livrinho por 5 mil reais?


Como explicar o fenômeno? Simples: o livro se chamava A Cinza das Horas, era um raríssimo exemplar da primeira edição do primeiro título de Manuel Bandeira, um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos. Repito que ler não dá lucro, mas conhecer os clássicos pode nos impedir de perder dinheiro, e muito.

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