Boas mesmo são as histórias de cemitério. Tem aquela da mulher que usava vestido comprido, por exemplo. Era uma moça alta e garbosa, olhos claros, linda como uma laranja de amostra. Metida a intrépida, todavia. Certa noite, para provar que era valente, resolveu passar a noite no campo-santo. Perto da sepultura de um certo Ranieri Cantagalo, a coitadinha sofreu o pior dos sustos humanos: dedos cheios de unhas se esticavam do mundo dos mortos e a puxavam para debaixo do barro. Morreu do coração. No dia seguinte encontraram a barra do vestido enroscada num galho de sabugueiro.
Mas não era bem essa história que eu queria contar, porque tem também o caso de um menino filho de pistoleiro que penava a obrigação de ser tão corajoso quanto a mulher do vestido comprido. Numa noite de festa, o pai apostou duas dúzias de balas de 38 na coragem do guri, que deveria adentrar o cemitério à meia-noite e de lá trazer a cruz mais velha e mais encardida que encontrasse. Assim o menino fez, já que realmente não tinha medo de nada.
Lá pelas três da manhã, depois de muita cantoria, vieram dizer ao menino que havia um homem lhe esperando na porta do salão.
— O que ele quer?
— Falou que você tem uma coisa que é dele.
— Que coisa?
— Parece que é uma cruz.
— Cruz… O homem disse como se chama?
— Disse, sim. É um tal de Ranieri Cantagalo.
O guri saltou pela janela sem nem se lembrar de largar a cruz, onde estava escrito: Ranieri Cantagalo (1887-1954). Há várias versões para o desfecho do evento, mas vou deixar quieto porque não era bem essa história que eu queria contar.
Quero contar mesmo é um episódio que aconteceu uns vinte anos mais tarde. Diferentemente da mulher do vestido comprido e do filho do pistoleiro, meu compadre Laudelino possuía razões menos vaidosas para desfilar entre cruzes e túmulos em plena madrugada: subtrair um bom montante das jacas que ornamentavam aquela frondosa árvore no quadrante meridional do cemitério. Mas teve azar, o infeliz. Um homem alto, de capote, surpreendeu o compadre com uma lanterna de querosene.
— Roubando jaca, é?
— Nunca… eu só estava… passando… e…
— Tem problema, não — riu o homem. — Quem nunca roubou uma jaquinha pelo menos uma vez na vida? Venha, eu guio você na travessia do cemitério.
Cruzar o cemitério sob a luz da lanterna foi uma verdadeira bênção para o meu compadre.
— Pronto — disse o homem, quando chegaram ao portão. — Agora você pode ir descansado.
— Obrigado, senhor, muito obrigado mesmo. O senhor promete que não conta nada para o padre e para aquelas velhas da casa paroquial?
— Prometo. Vá com Deus.
— Engraçado como nunca vi o senhor por aqui antes.
— Ô, rapaz, todo mundo me conhece na cidade.
— Como é mesmo o seu nome?
— Ranieri Cantagalo.
O próprio compadre me confirmou que só parou de correr com o primeiro raio de sol. Como eu, e agora como vocês, ele também conhecia as outras histórias do cemitério.