Era cedo e eu caminhava pelo centro da cidade. Não havia nada importante para fazer a não ser contemplar as pessoas que passavam apressadas. Depois de tomar um cafezinho, entrei na tenda de uma Feira de Artesanato.
Meio aéreo, admirei os produtos em pano e madeira, os suvenires, os bordados e as bonecas, os chapéus, os ímãs de geladeira. Olhava todas aquelas coisas sem compromisso, sem a curiosidade necessária para me aproximar, perguntar, testar e comprar.
Não suspeitei, é claro, que lá dentro havia algo à minha espera. Do mostruário improvisado sobre a caixa de papelão, o objeto começou a pular e gritar e a encher meus ouvidos de saudade.
— Aqui, Maicon, aqui embaixo, olha pra cá, não se lembra mais de mim?
Ao perceber o que estava acontecendo, o vendedor se aproximou.
— Gostou do bilboquê? Hoje sai por dez reais.
Era a quantia que me restava no bolso. Destino? Olhei de novo para baixo e ouvi os apelos do brinquedo.
— Me leva pra casa, vai… me leva pra casa…
Pedi que o vendedor dispensasse o embrulho. Saí praticando pela calçada. Como um bobo, tentava recuperar a habilidade da infância. “Vou dá-lo de presente à minha filha”, pensei com certo moralismo. “As crianças de hoje não sabem o que estão perdendo. Gastam todo o tempo com jogos eletrônicos e sequer têm oportunidade de conhecer brinquedos mais antigos que, embora simples, exigem tanto do físico quanto do intelecto”.
E lá veio uma onda de gostosa nostalgia. Lembrei-me do tempo em que, guri de nove ou dez anos, ficava perto de um fogão a lenha para jogar tafona com os meus primos. Embora não houvesse tabuleiro, apenas uma cartolina riscada a caneta (com grãos de milho e feijão funcionando como peças adversárias), tudo contribuía para aumentar o interesse e a alegria do joguinho.
Depois ganhávamos a rua para bater bola e jogar clica à brinca, para soltar pandorga, para lascar pião e se arriscar no manejo do “tchaco” (sou da geração em que as crianças quebravam o nariz imitando o Bruce Lee). E tinha também o bilboquê, claro, o centro de todas as atenções. Mas note que não estou falando desses bilboquês de plástico que se encontram em bancas de camelô. Pouca vergonha! Os nossos eram mais ou menos como o que comprei na feira, de madeira maciça e com o “chapeuzinho” pesado, difíceis de encaixar e fazer a pirueta.
Continuei praticando calçada afora, lembrando os velhos tempos e condenando os playstations da vida. Antes de chegar em casa, porém, tive um devaneio filosófico e finalmente entendi que a aquisição do bilboquê pouco tinha a ver com saudosismo. Pelo sim, pelo não, descobri que o brinquedo é um símbolo da nossa existência, da nossa passagem por este mundo instável em que tudo depende de aprendizado, tentativas e erros, sobretudo erros.
Mais que um exercício de sensibilidade, jogar o bilboquê e fazê-lo encaixar com elegância (ou não) é uma bela metáfora das incertezas que cercam a vida. Mesmo entre os habilidosos, ninguém pode jurar que vai conseguir de primeira. E, para aqueles que conseguem, não resta a menor dúvida: é impossível acertar sempre. Mais cedo ou mais tarde, todos tropeçaremos em nossas falhas.
O que resta é desenrolar o cordão, posicionar o bilboquê, respirar fundo, com calma, e tentar mais uma vez.