Como num conto de Calvino

Italo Calvino, um dos maiores escritores do século XX

Ontem me ocorreu um troço esquisito. Estava no centro da cidade quando, de repente, sem quê nem por quê, tudo deixou de fazer sentido. O tudo que eu digo eram as pessoas, os automóveis, as casas, o comércio, o mundo.


Por que paramos no vermelho e seguimos no verde? Por que a calçada se chama calçada e não, por exemplo, pedestal? Por que todo mundo anda tão depressa? Por que rimos? Por que choramos de vez em quando?


— Caramba! — pensei naquele instante. — Nada do que vejo possui significado real na vida.


Vida? Eis aí, arrojada contra minha face, a abstração das abstrações. Inútil tentar entendê-la nu momento em que até o voo dos pássaros me parece absurdo.


Parado no meio da rua, impedi que o trânsito prosseguisse.


— Não faz sentido — disse à motorista do primeiro carro. — Nada disso faz sentido.


A mulher se assustou, mas logo se recompôs e meteu a mão na buzina.


— Sai da frente, seu idiota!


— Não, minha senhora, não é nada disso. Esse seu automóvel, o seu penteado, as suas próprias palavras… é tudo uma ilusão.


— Eu vou acelerar, hein! Sai que eu passo por cima.


Obedeci, lógico, mas por puro reflexo condicionado. Salvar a pele também não fazia o menor sentido. Deixar que ela me atropelasse? Uma bobeira de igual tamanho.


Eu ria porque estava feliz em partilhar minha descoberta com a humanidade. Comecei a barrar as pessoas que iam e vinham na calçada, ou no pedestal, tanto faz. Embora não soubesse bem como me expressar, havia uma grande notícia a ser transmitida.


— Parem — trombeteei. — Parem já o que estão fazendo, voltem para suas casas, isso não precisa ser assim.


— Quem é o palhaço? — ouvi alguém perguntar.


— Não, eu não sou quem pensam que sou, e vocês não são quem penso que são. É tudo tão simples, entendem?


Alguém trombou comigo e, sem me olhar direito, esbravejou:


— Por que não arruma um emprego, ô babaca?!


Foi aí que as coisas voltaram ao normal. As pessoas, os automóveis, o corre-corre frenético de cada manhã, a vida reconquistava a segurança e a harmonia de sempre.


Lembrei que estava atrasado para o dentista. Então abaixei as orelhas e, num passo apertado, segui no ritmo da multidão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *