Comecemos com uma definição: Intelectual de Rodapé é o sujeito que, em vez de realmente ler os livros dos quais fala, tenta nos impressionar com o que decorou no Manual do Blefador. Não confundir com o simples pedante, que é menos nocivo porque pensa que de fato sabe o que está falando. A psiquê do Intelectual do Rodapé é mais complexa. Ele sabe que não sabe tudo mas não sabe que os outros sabem que ele não sabe nada. Por isso é um primo próximo de qualquer chato de galochas.
Apesar de sua discrição planejada, o Intelectual de Rodapé costuma exibir um nada discreto ar de superioridade. Vive citando, mas suas citações não têm propósito e fazem pouco sentido porque o Intelectual de Rodapé está com o ego ocupado demais para se preocupar com propósitos e sentidos. A ele basta que as palavras tenham aquele impacto dramático comum às grandes sentenças — “O inferno são os outros”, “Deus está morto”, “A religião é o ópio do povo” — e pouco importa se essas sentenças estiverem desgastadas pelas bocas de outros intelectuais de rodapé.
Além disso, o Intelectual de Rodapé é fissurado por coisas esquisitas. Afora Sartre, Nietzsche e Marx, adora citar filósofos com nomes espetaculosos que por si já impõem respeito. Sugiro aos intelectuais de rodapé que deem uma olhada na onomástica dos pré-socráticos. Começar uma sentença invocando Filolau de Crotona ou Anaxágoras de Clazômenas fará qualquer um acreditar em todas as bobagens que virão a seguir.
Como se livrar do Intelectual de Rodapé? Isso não é fácil, porque o Intelectual de Rodapé é, antes de tudo, um forte, e vale lembrar que uma estratégia mal elaborada pode piorar o quadro do desastre. Muitas pessoas já tentaram sabotar o papo cabeça do Intelectual de Rodapé confessando que preferem Collin Hoover a Shakespeare e os filmes da Marvel a Jean-Luc Godard. E, ansiosos pelo tiro de misericórdia, completam com um entusiasmado comentário sobre as letras musicais da Anita.
Que lástima! Apenas um falso Intelectual de Rodapé ficaria abalado com esse chega-pra-lá mundano. O verdadeiro Intelectual de Rodapé se alimentará de sua confissão, e o papo cabeça, muito apropriada para a mesa de bar em que vocês se encontram, prosseguirá por várias e intermináveis horas, repleto de citações, muitas citações, e frases de efeito duvidoso.
A verdade é que um intelectual de rodapé só pode ser derrotado por outro intelectual de rodapé. Seja você o justiceiro. Quando a conversa dele estiver insuportável, interrompa sem muita cerimônia e diga a palavra mortal:
— Discordo.
Você sentirá a tensão ao redor da mesa. Todo mundo sabe que o Intelectual de Rodapé fica louco quando é interrompido e mais louco ainda quando alguém discorda dele. Como já vimos, entretanto, o Intelectual de Rodapé, frio e calculista, não costuma descer das tamancas tão facilmente. Levantará as sobrancelhas e fará um muxoxo de superioridade.
— Humpf! Com base em QUEM você discorda de mim?
— Ora, quem! Genaro Metastásio, quem mais?
Você perceberá o desconcerto nos olhos do Intelectual de Rodapé. Não hesite. É a deixa que você precisava para entrar de sola:
— Genaro Metastásio, pô! Vai dizer que nunca leu Genaro Metastásio?
— Claro que li, como não? Tem um texto legalzinho, mas possui ideias superficiais para o meu gosto.
— Tem certeza que leu?
— Tenho, sim. Faz alguns anos.
— Pois eu nunca li. Genaro Metastásio nunca escreveu nada. É um vizinho do meu tio.
Devo acrescentar que um intelectual de rodapé desmascarado e diante de gargalhadas é capaz de tudo. Sim, agora ele vai pular no seu pescoço. Corra. A menos que queira detê-lo citando Gandhi.