Crônica Surrealista

Lobster Telephone 1936 Salvador Dal? 1904-1989 Purchased 1981 http://www.tate.org.uk/art/work/T03257

Só quando fui atender o telefone percebi que estava segurando uma lagosta. Ela disse que um dos meus filhos andava doente e depois me deu um formidável beliscão na orelha.


Corri até o quarto de minha mãe, sereia que habita a cauda de um tubarão-martelo, e tentei acalmar o bebê que se esgoelava como um novelo de lã. Era menor que a palma da minha gengiva, e sua pele grudava na ponta de meus dedos incandescentes.


Para não machucá-lo, tratei de enrolá-lo numa folhinha de parreira e enfiá-lo no bolso esquerdo da minha camisa listrada com os cotovelos da Brigitte Bijou.


Precisava chegar à casa de Sigmund. Muito mais feio que a Vitória da Samotrácia, meu automóvel de corrida sofria de reumatismo e disenteria. Dali pensei em telefonar para meu Salvador, o mecânico, mas fiquei com medo de levar outra dentada no ouvido.


Então enviei o carro por e-mail mesmo e furtei um caminhão-caçamba da prefeitura municipal de Capivari de Baixo. Como o assento era muito alto e eu não podia apertar a embreagem até o estômago, guiei empoleirado no ombro da estátua de meu pai.
Rugindo o tempo urge.


Choveram homenzinhos educados de sobretudo e chapéu-coco enquanto eu derrapava sobre uma pista de macarrões-parafuso com o que há de pior em termos de molhos e condimentos.


Capotei 28 vezes dentro da tromba de um elefante bêbado e só parei ao me segurar no cume dos seios de Oriana.


Cansado, parei para matar a fome, mas não deu para morder a maçã que se apresentava com uma forquinha debaixo do braço, dois feijões de estimação e um exército de formigas lhe fugindo pelo buraquinho do umbigo.


O fruto me perseguiu, vampiro, me fez escorregar pelos lombares da mulher do fim do mundo, que era calipígia, e ser projetado por suas protuberâncias até a barca do rabugento Ulisses.


Havia um bilhete a bordo: a crônica é a cachaça da internet, dizia, mas não pude ler o resto porque fomos atraídos pelos rochedos pontiagudos de Messina. Quando Cila fechou as pernas para a embarcação, acordei na porta da casa de Sigmund.


— O que deseja? — perguntaram os ratos de sacristia que barravam a entrada.


— Saiam da frente, bretons!


— Que bretons, seu burro? Bretões!


— Vim para aliviar meu filho.


— Então prove.


Enfiei a mão no bolso e não encontrei mais nada.


Minhas vísceras foram sacudidas e reviradas como nunca, algo se afastou dos meus olhos, vi o que jamais vira até então. Um anão gigante apelidado “meu filho” me desenrolava da folhinha de parreira e me devolvia para os calmos arbustos da anunciação.


A partir desse momento, não antes, fui sonhado por uma gravata borboleta.

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