Ai! Se sêsse!…

É mentira que as pessoas não gostam de poesia. O que há, a meu ver, é uma desastrosa confusão a respeito do tema. Para a grande maioria, poemas são extensos conjuntos de versos rimados em “ão”. Escritos por algum tuberculoso que levou um fora da namorada, obrigatoriamente falam de amor e nada mais.

Em geral, para agravar o problema, só conhecemos a poesia através dos livros didáticos, que vêm atrelados a provas, tarefas, notas e boletins. E pior: os poemas mais divertidos encontram-se a quilômetros dos manuais. Não digo que Camões, Pessoa e Drummond sejam dispensáveis, mas sem dúvida há muito a se descobrir fora da sala de aula.

Zé da Luz, por exemplo. Excetuando os entendidos e os sortudos, levante a mão quem já leu ou ouviu algum poema desse artista do cordel que nasceu em Itabaiana (PB) e faleceu já faz um tempinho, em 1965, no Rio de Janeiro. Simples e cheios daquela malícia própria do interior, seus textos imitam a fala sertaneja e tratam dos mais variados assuntos.

“O que é o Brasí Caboco?”, pergunta ele, para imediatamente responder com versos carregados de inocência bairrista: “É um Brasí diferente/ do Brasí das capitá./ É um Brasí brasilêro, sem mistura de instrangero,/ um Brasí nacioná!”

Mais radiante é um poema intitulado A Cacimba. Depois de descrever uma fonte de água vertente onde um “magóte de môça/ quage toda manhazinha” se reúne para tomar banho de cuia, arremata com uma bela estrofe de subentendidos: “Eu não sei pru quê razão/ as águas dessa nascente/ as águas que ali se vê,/ tem um gosto diferente/ das cacimbas de bebê…”

Efeito parecido, porém conseguido de forma mais direta, possui a paródia As flô de Puxinanã, na qual um eu-lírico bem picaresco descreve três irmãs que conheceu numa festa: Ogusta, “a mais ribusta”; Guléimina, dona de “uns ói que ô! mardição!/ matava quarqué cristão”; e a mais novinha, que se destacou por um motivo muito especial: “A tercêra era Maroca./ Cum um cóipo muito má feito./ Mas porém tinha nos peito/ dois cuscus de mandioca.”

De todos os poemas de Zé da Luz, no entanto, nenhum é mais representativo que Ai! Se sêsse!… Conta a lenda que o texto nasceu de um desafio. Um amigo do poeta afirmou que só a linguagem polida e gramaticalmente correta seria capaz de transmitir uma mensagem de amor. A resposta segue abaixo, na íntegra, um presente a quem está lendo esta crônica. Se você não sofre de timidez, leia em voz alta e aproveite o encadeamento sonoro da composição.

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dois se impariasse,
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pedro não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulice?
E se eu me arriminasse
e tu cum eu insistisse,
prá qui eu me arresorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?…
Tarveiz qui nós dois ficasse
tarveiz que nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge todas fugisse!!!

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