Machado de Assis era gênio?

Georg Bernard Shaw começa um de seus artigos mais ou menos assim:


— Gênios não existem! Sei disso porque sou genial!


O paradoxo se encaixa direitinho na tese que pretendo aqui defender: esse negócio de “ser gênio” é uma das maiores furadas de toda a nossa história educacional.


Imagine um professor de Redação que entra na sala de aula e, na hora de entregar os trabalhos, traça um enorme elogio ao aluno X, dizendo que o texto ficou ótimo porque ele nasceu para escrever e possui o dom da palavra.


Fantástico, não? O problema é que todos os outros alunos, por um processo dedutivo óbvio, NÃO nasceram para escrever e, portanto, não foram agraciados por nenhum dom e nenhuma genialidade da natureza.


Para dar um verniz histórico ao argumento, vejamos o caso de Machado de Assis. Faz décadas que o nome dele passou a ser acompanhado do atributo “gênio”. Ouvimos na TV, na boca dos professores, nos eventos literários, na imprensa e numa série quase infinita de livros acadêmicos.


É o que se pode conferir, por exemplo, na capa de Machado de Assis – Um Gênio Brasileiro, do jornalista e escritor Daniel Piza.


Com a pulga atrás da orelha, abri um dicionário em busca do significado de “gênio”: pessoa que possui aptidão natural para algo; dom. Torci o nariz. É que essa história de “dom” e “aptidão natural” difunde a ideia de que Machado e outros ícones da arte já nasceram prontos.


“Quem é bom vem do ovo”, diz a sabedoria popular. No entanto, não encontramos nada mais falso e desestimulante.


Comparados ao que se escrevia na época, os textos iniciais de Machado eram bem ruinzinhos. A Palmeira, um dos primeiros poemas que publicou, é uma trivialidade que beira o constrangimento:

Como é linda e verdejante
Esta palmeira gigante
Que se eleva sobre o monte!

Ninguém teria coragem de apostar que aquela garoto que plagiava Gonçalves Dias para se inserir no climão patrioteiro do nosso Romantismo seria capaz, anos mais tarde, de escrever obras-primas como Quincas Borba e Dom Casmurro.


Ao contrário do que supõem os que acreditam em genialidades e afins, a literatura de Machado amadureceu aos poucos, com tempo, estudo e paciência. É por isso que, em vez de gênio, prefiro chamá-lo de mestre ou algo que o valha. É o que faz Roberto Schwarz no seu livro Machado de Assis – Um Mestre na Periferia do Capitalismo.


Se é verdade que possuía uma inclinação para a palavra escrita, não é menos verdadeiro que, com muito esforço, fez essa inclinação evoluir a níveis até então inatingíveis. Vejo esse como um dos maiores legados de Machado aos estudantes brasileiros.


Sua arte e sua história nos mostraram que tudo é possível, apesar das adversidades pessoais e do clima cultural pouco frutífero em que vivia/vive nosso país.

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