A longevidade da pulp fiction

Capa revistas pulp (fonte: divulgação).
Capa revistas pulp (fonte: divulgação).

— Que porcaria é esta? — perguntou ele. — O Chefe Apache! É isto que você lê ao invés de estudar história romana? Que eu não encontre mais esta maldita droga no colégio. O indivíduo que escreveu isto, suponho, é um desses pobres-diabos que escrevem para ter com que pagar sua bebida. Surpreende-me que um menino como você, educado, leia tais tolices. Compreenderia se se tratasse de… de alunos da Escola Nacional.

A fala acima pertence ao Padre Butler, personagem de um conto de James Joyce, que surpreende um estudante folheando uma pulp magazine em plena aula de História. Das palavras do padre escapam todos os preconceitos possíveis contra certos hábitos de leitura, contra determinadas classes sociais (os alunos da Escola Nacional) e inclusive contra os escritores de entretenimento, bêbados decadentes que se entregam à subliteratura para sustentar o próprio alcoolismo.

Não deixa de ser significativo que a passagem apareça numa página de Joyce, o rei dos reis da literatura erudita (ou da high cult, como veremos a seguir). Mais de cem anos depois da publicação do conto, algumas coisas mudaram no cenário cultural. Hoje não me admiraria se um professor levantasse as mãos para o céu ao flagrar seus alunos com outros textos, quaisquer outros, que não os exigidos pela grade escolar.

A chamada pulp fiction — contos de detetive, faroeste, ficção científica, terror e fantasia publicados em papel barato — sofreu toda a sorte de perseguições ao longo do século XX. Durante muito tempo, pais e professores pensaram exatamente como o Padre Butler. Bem verdade que o preconceito contra a literatura popular continua vivo e atuante, mas não com a força e o “academicismo” das décadas anteriores.

Nos anos 1950, um teórico americano chamado Dwight MacDonald (nada a ver com a lanchonete) propôs uma hierarquia para a literatura consumida no seio da sociedade industrial. Segundo ele, haveria o high cult, ou alta cultura, que contaria com Shakespeare e as pouquíssimas obras verdadeiramente eternas de que dispomos; o mid cult, ou cultura média, que agregaria autores intermediários, bons mas com excessivo apelo popular, como Hemingway e Oscar Wilde; e finalmente o mass cult, a cultura de massa propriamente dita, que reuniria o mais baixo e apelativo da produção literária, nisso incluindo todas as tendências da pulp fiction.

Mas a verdade é que o tempo mostrou que, se muitos autores do mid cult foram devorados pelo esquecimento, alguns pobres escrivinhadores do mass cult continuam vivos entre as novas gerações. Naturalmente, estou me referindo às adaptações para o cinema e, a partir delas, à republicação dos contos em luxuosas edições em capa dura. Dois exemplos evidentes ilustram o que quero dizer: os filmes Solomon Kane e John Carter, ambos baseados em obras menos conhecidas de, respectivamente, Robert Howard (criador de Conan) e Edgar Rice Burroughs (criador de Tarzan). Jovens leitores estão procurando os textos que deram origem a essas superproduções como se estivessem “à demanda do Santo Graal”.

Respondam com sinceridade: alguém que esteja no Ensino Médio já ouviu falar de Hemingway ou Oscar Wilde? Já assistiu, de caso pensado, a alguma adaptação cinematográfica de Otelo ou Rei Lear?

Em tempo: nos últimos anos, graças aos desenhos animados do Tarzan e agora ao filme de John Carter, os herdeiros de Burroughs receberam milhões de dólares da Disney. O Padre Butler não ficaria contente em saber que é dinheiro suficiente para comprar inúmeras fábricas de uísque.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *