O professor entrou no supermercado para apanhar um pacote de café e uma lata de leite em pó. Quase não acreditou quando viu Carol segurando uma cestinha de compras. Usava apenas biquíni — a pele branquíssima! — e parecia insatisfeita com o preço dos produtos. Mantinha-se jovem e atraente, apesar dos oito anos que se passaram.
— Professor Genésio? — disse, surpresa. — É o senhor?
Foi pego desprevenido. Na hora do abraço, sentiu o cheiro dela como nunca havia sentido antes, e sentiu também os seios, os túrgidos seios que se prensaram contra o peito de ancião.
— Quanto tempo! — disse Carol.
— Quanto tempo! — disse o professor.
E conversaram uns minutos entre as prateleiras. O que tem feito da vida, menina? Continua trabalhando como secretária? Não acredito, está me dizendo que ainda não se casou? Aproveitando a vida, hein? É muito bom reencontrar você, ainda mais nesses trajes conventuais.
— Ai, professor — riu-se, falsa encabulada. — Tô indo pra praia, né?
Então ela largou a cestinha e disse que precisava se despedir, umas amigas a esperavam no calçadão. Quando ganhou um beijinho no rosto, o professor pensou em convidá-la para conhecer o seu apartamento, fica aqui perto, a uns duzentos metros da orla, pobre mas limpinho, sabe? Desistiu porque ouviu, quase de imediato, o escárnio e a maledicência dos pedestres, dos turistas que chegavam para a temporada, dos ex-alunos que porventura passassem por ali. O que o vozinho quer com a sirigaita?
Comprou um jornal no caixa. Apanhou a sacolinha com o leite e o café, caminhou para casa. Parou numa lotérica e pagou as contas de água e luz.
A polícia não descobriu muito sobre o sumiço de Jorge e da garota, na verdade nunca encontraram os corpos e nunca o chamaram sequer para um interrogatório de rotina, mas isso não queria dizer que o professor estivesse tranquilo. Apesar da aposentadoria e do apartamento na praia, pagou caro pelos últimos anos.
Vivia intrigado com sujeitos de meia idade que usavam paletós e óculos escuros, morria de medo que um deles de repente se aproximasse e lhe esfregasse uma identificação no nariz, bom dia, sou o comissário fulano de tal, posso tomar um minuto do seu tempo? Acordava de madrugada, arfando, e ficava à espera dos policiais que arrebentariam a porta para algemá-lo e levá-lo à delegacia mais próxima.
Às vezes passava semanas em frente ao computador, sentia uma irresistível necessidade de verificar se o vídeo já estava hospedado em algum site pornográfico. Aquela porcaria nunca foi destruída, tinha certeza, e poderia aparecer a qualquer instante, ainda mais agora, com a morte de Maicon.
Nunca engoliu o comportamento samaritano do ex-aluno. Sabia que ninguém cometeria tantas atrocidades por gratidão ou mesmo desvario. Outras razões o levaram a eliminar aqueles dois, mas quais? Conhecia Jorge, isso ficou claro quando se cumprimentaram no corredor, talvez conhecesse Raquel também. Outra vítima do golpe?
Uma vez Maicon lhe segredou que adorava encher os seus textos de mensagens e ligações ocultas, jogava com o leitor e dizia coisas que jamais teria coragem de dizer diretamente. Por isso, obsessivo, o professor começou a analisar e esquadrinhar todos os livros do colega, procurava uma resposta para os eventos e as motivações que de alguma forma ficaram no ar, em particular os relacionados àquela noite.
Houve períodos em que não comia nem dormia direito, absorvido que estava pelo trabalho, mas todos os seus esforços findavam em frustração. Quando pensava ter encontrado algo palpável, via-se repentinamente na incumbência de riscar suas anotações e recomeçar do zero. Irene o repreendia, várias vezes destruiu os livros de Maicon — eles vão acabar com você, Genésio, vão te matar! —, no entanto o professor persistia em sua busca.
Desistiu somente quando seu médico lhe mostrou o xérox de um recorte de jornal: Maicon Tenfen morto! Na tarde de 14 de novembro de 2017, ao cruzar uma rua nas imediações da Universidade, o escritor foi atropelado por uma caminhoneta vermelha. Segundo testemunhas, os três ocupantes do veículo fugiram sem prestar socorro. Conduzido às pressas para o hospital, Maicon veio a falecer na sala de cirurgia. Com a ajuda do filho mais novo, que trabalhava na emergência, o professor se inteirou de todos os detalhes. Mil vezes leu a notícia e mil vezes imaginou que finalmente encontrara uma resposta para suas inquietações.
Entrou no apartamento e viu Irene trabalhando na reforma de um velho guarda-roupa. O neto estava passando uns dias com eles porque a filha mais velha, divorciada, tirava férias com o novo namorado. O professor não se lembrou de comprar nenhum doce para o pequeno, mas não se sentiu culpado. Pôs o leite e o café sobre a mesinha da sala.
— De novo, Genésio?
Irene abriu o armário e, pela enésima vez, mostrou ao marido que não precisavam de nenhum gênero alimentício. Depois exigiu que ele se sentasse e tomasse o seu remédio.
— E nada de reclamações, tá? Você precisa desses medicamentos, não me venha falar de insônia, muito menos de dor no estômago.
O professor não retrucou. Jogou as pílulas na boca, tomou todo um copo de leite e estalou a língua como se tivesse sorvido o néctar dos deuses.
— Aqui, vovô, olha só o desenho que fiz pra você.
— É bonito, filho, mas nunca se esqueça de que vivemos num canil para cachorro louco.
— Ô Genésio! O que está dizendo para o menino?
— Nada, Irene, nada. Só preciso descansar uns minutos antes do almoço.
Sozinho no quarto, abriu sua pasta de couro falsificado e nela cuspiu as pílulas intactas. Sentou-se na cama e folheou o jornal até encontrar os classificados. Quando se deu conta, seus olhos passeavam entre os números e as propostas da página das acompanhantes.