Foi a primeira vez que o professor Genésio Campanelli procurou uma garota de programa. O curioso é que não houve premeditação. Acordou como em todas as manhãs, dirigiu até a Universidade, burocraticamente lecionou para uma primeira turma e, ao seguir para a sala da segunda, descobriu que seus alunos não compareceriam por uma razão que não se deu ao trabalho de entender.
— Que pena — disse ao auxiliar de coordenação. — Estou com a matéria tão atrasada…
Na verdade sentiu-se feliz ao saber que não haveria aula. Apenas lamentou não ter levado consigo as contas de água e luz. Se tivesse os talões, poderia aproveitar o tempo e pagá-los agorinha mesmo. Não, não, balançou a cabeça, que mania a minha, e riu de sua obsessão pelos detalhes e pelo dever cumprido.
Antes de voltar para casa, decidiu passar na sala dos professores e folhear os jornais. Por que não pegou o carro e saiu com a pressa de sempre? No dia seguinte, ao meditar sobre as consequências desse seu ato, não conseguiria compreender se tudo que sofreu foi obra do acaso ou de alguma retaliação divina.
— Bom dia, Carol.
— Bom dia, professor. Que bom que o senhor desceu antes de ir embora. Acabei de anotar um recado da sua esposa.
Bolsistas em sua maioria, as secretárias eram sempre jovens e atraentes. Não que fossem todas bonitas, longe disso, algumas exibiam imperfeições gritantes, mas o viço de seus cabelos e a coloração de sua pele às vezes tiravam o sossego do professor.
Carol, por exemplo. Era impossível ignorar os decotes que exibia sob o falso ar de inocência. Tinha um sorriso tão espontâneo que frequentemente levava o professor a se arriscar em gracinhas de adolescente. E ela se mostrava receptiva, estimulava a conversa e as brincadeiras, “dava-lhe trela”, como se dizia no seu tempo, sim, trela, mas dentro de limites que ele sabia insuperáveis.
O que queria Carol? O que queriam todas as outras que, dia a dia e com as luzes da juventude, ameaçavam a tranquilidade cavernosa dos seus 59 anos? Rir, por certo, que mais? Zombar do velhote palerma — sabiam que já é avô? —, promover-se em relatos teatrais, estavam sendo assediadas pelo professor fulano de tal, acreditam? Coitado, não passa de um santarrão de fachada, só não damos queixa para evitar bafafá.
— Professor?
— Ahn?
— Está se sentindo bem?
— Eu… eu…
— O senhor ficou aí parado me olhando. Aconteceu alguma coisa?
— Sim, eu, quer dizer… não… desculpe!… Você disse que tinha um recado pra mim?
— Da sua esposa.
Apanhou o papelzinho e agradeceu, afastou os olhos do decote de Carol. Quase um sexagenário, precisava se comportar, ficar acima das fraquezas, das tentações. Onde se ganha o pão não se come a carne, não foi assim que lhe ensinaram? Odiava imaginar que poderia ser apontado nos corredores como velho paquerador de estagiárias.
Leu o bilhete — a letra de Carol era firme e redondinha — enquanto se aproximava da mesa e dos jornais. “Não esquecer de comprar café e leite em pó”. Ah, Irene, pra que ficar chateando com esses recadinhos bobos? Poderia chamá-lo no celular, seria tão simples, mas preferiu passar a mensagem por uma terceira pessoa, mesmo sabendo que seu esposo, obsessivo pelas miudezas do cotidiano, não tinha a menor chance de se esquecer do café, do leite e de tudo mais que lhe pedissem quando saía de casa.
Irene, Irene… Trinta anos você passou ocupando telefonistas e secretárias com seus recados mesquinhos, talvez uma forma instintiva de se fazer presente, de dizer que era feliz com os bordados e o trabalho doméstico, agora com o netinho, com os móveis que de vez em quando reformava e vendia por preços absurdos. Seus lembretes não passavam de álibis para anunciar ao mundo que, tão-logo batesse o sinal, Genésio Campanelli, o mais atencioso dos pais e dos maridos, voltaria correndo para o seio de uma perfeita família cristã.
O que as pessoas pensavam disso? Acaso faziam comentários sobre sua esposa, mulher inculta e acomodada que de vez em quando usava o telefone para lembrar que a vida se resumia a um pacote de café e uma lata de leite em pó? O professor sentou-se e abaixou a cabeça, imaginou se a secretária estaria observando sua reação. Por mais que tentasse, não conseguia sentir raiva da esposa. O defeito de Irene era mínimo e insuportavelmente humano. Ela só precisava deixar claro que existia, que estava lá e que esperava por ele.
— Irene… Por que nossa história não foi diferente?
— Chamou, professor?
— Ahn? Não, Carol… não… obrigado! Só estou pensando alto. Coisa de velho, você sabe.
Guardou o papelzinho no bolso da camisa e abriu o jornal nos classificados. Sempre quis comprar um apartamento na praia. A aposentadoria não tardava, só mais alguns meses, era tempo de se decidir por algum imóvel, raspar a caderneta de poupança e fechar o melhor negócio possível.
Verdade que não conseguiu economizar muito nas últimas décadas, deu faculdade e um carro para cada filho, teve de arcar com as despesas médicas dos sogros, que morreram lentamente, duas vezes ampliou a casa, fez reformas. Mesmo assim acreditava possuir uma boa soma para a entrada do imóvel, o resto quitaria em prestações mensais durante os próximos vinte anos, ou seja, até as vésperas da sua morte.
A filha mais velha era formada em fisioterapia, casou-se com um advogado, ambos estavam trabalhando e prosperavam. O mais novo é que parecia um pouco deslocado. Botou na cabeça que se casaria em breve, antes de concluir o curso de medicina, mas ainda não possuía renda nem lugar para morar. A mudança para a praia seria providencial. Deixaria a casa para o filho e a nora, pelo menos até que saíssem da faculdade e se ajeitassem na vida.
O professor já não lia os anúncios, as ofertas, as barbadas, apenas folheava o jornal, dormente. Acordou quando seus olhos se fixaram em algo escrito no topo da página. Acompanhantes. Por um momento, sua mente ficou livre de recordações. Então compreendeu um pouco melhor o significado do eufemismo. Abaixo viu dezenas de nomes femininos e números de telefones dispostos em retângulos de todos os tamanhos, alguns com descrições ou fotos provocantes. Yasmim, morena de 22 anos, safada, fogosa e super liberal. Shaiane, 21, loiraça, boca excitante, corpo sexy, com ou sem acessórios. Rebeca, 18, linda morena exótica, também atende casais.
Passou as duas mãos pela cabeça, segurou a nuca, estirando-se para trás, deixou que seu olhar se fixasse nas páginas do jornal. Ali também encontrou uma certa Carol, “ruivinha tipo mignon”, que o fez olhar de novo para a secretária e deixar que sua mente cedesse a uma velha fantasia. Sim, Genésio, aqui você é um escravo, tudo é monitorado, as pessoas o policiam, mas no mundo existem lugares em que a imaginação se torna realidade, todos sabem disso, inclusive Irene, lá você terá sua aventura, seus minutos de rei. Ainda que a Carol que se vendia nos classificados não fosse a mesma que agora tagarelava ao telefone, era certo que possuíssem o mesmo viço e o mesmo frescor da juventude.
Devagar, transferiu a página para sua pasta de couro falsificado. Embora repetisse a si mesmo que não faria isso, que era uma asneira, uma loucura, agia como autômato, sem admitir que seguiria em frente, que ligaria para algum daqueles números, mas também sem forças suficientes para parar. Aos poucos compreendeu que, há dez minutos, não veio até a sala dos professores para procurar imóveis no jornal. Na verdade, as coisas começaram a acontecer logo ao descobrir que estaria livre na segunda aula.
Levantou-se, pegou a pasta, aproximou-se da secretária.
— Já vai, professor?
— Sim. Até logo.
— Até logo.
Caminhou na direção da porta de vidro, tocou-a, parou um instante. Sentia o coração bater forte.
— Carol? — voltou-se. — Você poderia me fazer um favor?
— Claro. O que é?
— Eu gostaria que você… você…
Como falar? Ganhou tempo com um cacoete: passou a mão pelos cabelos, massageou um pouco a nuca, contraiu os ombros. Então olhou as horas e voltou a tocar a porta de vidro.
— Nada, não, minha filha. Esquece.
Saiu fingindo pressa.