O Desabafo do Papai Noel

Você que agora está curtindo o seu presentinho de Natal é incapaz de imaginar as peripécias e os sacrifícios por que passei até entregá-lo sem atrasos ou defeitos. Por outro lado, se você é um daqueles que nada ganharam neste ano, deve estar me excomungando até a medula. Não me julgue, por favor. Estou velho, estou cansado dessa vida que venho levando há tantos séculos e séculos amém.


Não aguento mais Jingle Bell, não aguento mais Noite Feliz, não suporto qualquer melodia ou acorde que faça alusão a essa data festiva, harmoniosa, familiar e profundamente consumista que é o Natal. Você que está com trinta, quarenta, cinquenta ou sessenta anos, que, portanto, passou poucas vezes por essa saraivada de canções natalinas, deve achar que sou um sujeito ranzinza, mas na minha idade e com a minha profissão, desculpe, há certas coisas que definitivamente enchem o saco do Papai Noel.


As piadas, por exemplo, as piadinhas cretinas que vivem fazendo a meu respeito, que sempre saio de casa acompanhado por um bando de veadinhos, que nunca mando presentes para a África porque criança que não come direito não ganha brinquedo no Natal, que isso, que aquilo, ô coisa!


E olhe que nem estou falando do perigo que eu e minhas renas corremos em determinados países. Até nos Estados Unidos, com cujas crianças sempre fui generoso, quase levei chumbo da força aérea porque suspeitaram, talvez por causa desta barba à Osama, que meu trenó estivesse carregado de bombas e que eu atiraria contra o primeiro edifício que surgisse pela frente. É demais, é demais!


Todo mundo quer presente, mas todo mundo faz o impossível para dificultar o meu trabalho. O que aconteceu com as chaminés, meu Deus do céu? Ou deixaram de existir, ou ficaram muito apertadas. Ou eu é que engordei demais, vá lá. Minha patroa, que muitos pensam que é a Merry Christmas, mas não, é a Mamãe Noel mesmo, convenceu-me a fazer um regime.


Internei-me num spa cheio de nutricionistas sádicos. Depois de passar todo um dia com duas folhas de alface, vinte e cinco grãos de milho e quarenta e três fiapos de cenoura ralada, tudo criteriosamente contado e pesado, vi que a fuga seria a minha única chance de sobrevivência.


Quebrei o pé ao pular a janela. Ontem à noite, apesar disso, tive que trabalhar sozinho. Meus ajudantes entraram com uma ação no Ministério do Trabalho, reclamando os salários atrasados, e até minhas renas, minhas queridas renas, estão se organizando num pequeno sindicato.


Quer saber? Pra mim chega! Pode me falar em responsabilidade, em tradição, em bom senso, nada disso me interessa. Se você quiser presente no próximo Natal, peça a seu pai, a sua mãe, a seu marido, a sua esposa, a seu papagaio, a quem quer que seja. E se alguém pensa que ainda vou desejar um feliz natal, esqueça. Joguei a toalha, acabo de me aposentar, irrevogavelmente, sem arrependimentos, sem chance. Adeus. Fui!

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