Ser magra no futuro

A cena se passa num movimentado shopping, em 2029. Depois das compras, nossa heroína Jocasta, 25, passeia tranquilamente pela área vip do local. De repente se vê abordada por um rapaz de uniforme e óculos de sol. É um agente de correção estética:


— Documentos, por favor.


Ela torce o nariz porque já imagina o que vem pela frente. Sabe que esse pessoalzinho não se deixa corromper. É possível subornar fiscais ou policiais de todos os níveis, menos os temidos agentes de correção estética.


— Hum! —diz ele, analisando o RG e o AAF (Atestado de Aparência Física) de Jocasta. —A senhorita acaba de cometer uma infração.


— Infração? Não estou entendendo.


— Seu corpo está fora dos padrões permitidos neste ambiente. Sinto muito, mas serei obrigado a multá-la.


—Um momento! — alterou-se Jocasta. — Eu sempre pensei que este shopping seguia protocolos da Organização Dietética Mundial.


— E segue.


— Pois então? Não reparou que meu atestado está dentro das normas da ODM?


— Não nego, senhorita. O problema é que ele já está vencido há seis meses. E… bem… sem querer ofender… a defasagem de seus padrões estéticos pode ser constatada a olho nu. Principalmente com o tipo de roupa que a senhorita está usando.


Jocasta congela. Sem movimentar a cabeça, observa que sob o seu top da Full Fashion, pelo qual pagou uma fortuna, há duas pequenas saliências flácidas (pneuzinhos, como diria sua avó) que destoam de todo o conjunto. De manhã, antes de sair de casa, até pensou em usar algo que cobrisse essas mínimas imperfeições. Desde que a Grande Irmã Moda determinou o uso do top, porém…


— Lamento, senhorita, mas precisamos sanear o local. É meu dever multá-la.


— Sanear o local? Ai, meu Deus, esqueça, esqueça… Posso saber quanto terei de pagar?


—10 mil iuanes.


— O quê?!


— A senhorita receberá a multa junto à taxa ecológica que pagamos pela utilização da atmosfera.


Jocasta está humilhada, e não tem mais vontade de discutir. Nota que as pessoas a observam, alguns com ironia, outros com desprezo, outros ainda com pena. Sabem muito bem o que está acontecendo: mais uma cidadã acaba de ser banida de sua juventude.


Daqui a pouco, excetuando as áreas comerciais onde todos circulam livremente, não poderá mais frequentar shoppings, bares, clubes ou danceterias da elite estética. Ao se imaginar numa praia de concentração adiposa, cercada por mulheres gritando com os filhos e por hostes suarentas da melhor idade, abaixa os olhos e corre para casa.


Tranca-se no quarto e passa o resto do dia se olhando no espelho. Chora. Mas é guerreira, não retrocederá sem luta. Veste um agasalho e pula sobre a bicicleta ergonométrica. Põe pesos sobre os ombros (uma canguinha, como diria sua avó) e pedala, pedala, pedala…

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