Sobre chatos e chateações

Deixei o carro no estacionamento, próximo ao elevador, e subi para o shopping. Eu tinha pressa, precisava enviar alguns livros pelo correio e depois voltar correndo para o trabalho. Havia uma reunião marcada — mais uma! — e nessa eu não poderia faltar.


De repente, num susto que quase me deixou sem fôlego, avistei o Aparício caminhando na minha direção.


— Essa não! — gemi.


Deus me livre de me encontrar com o Aparício. Nunca vi sujeito mais chato, e isso contando toda a minha vida e todos os lugares por que passei. Ele não se contenta em dizer bom-dia ou boa-tarde, é necessário apertar a mão e fazer cerimônia, abraçar, preencher longos minutos (ou horas) com conversa fiada e ficar puxando a manga da camisa da gente enquanto repete ô, ô, escuta aqui, preste atenção, ô, ô, ô…


Você ri, né? É porque não conhece o Aparício. Se conhecesse, estaria chorando. Existem chatos de todas as estirpes, os que só falam da própria vida, os que reclamam de tudo e de todos, os que se se sentem eternamente injustiçados, os que vivem com prisão de ventre. O Aparício é tudo isso ao mesmo tempo.


Comecei a suar frio:


— Ai, meu Deus, ele está se aproximando… ele vai me ver… preciso fazer alguma coisa… e rápido!


Alarmado, desembestei por um corredor lateral. Minha esperança era contornar a galeria de lojas e alcançar a agência dos correios por uma via transversa. Sentia-me incapaz de suportar, mais uma vez, aquela voz anasalada, aquele papo sabichudo, aquelas infindas piadinhas sem graça. Você continua rindo, né? É porque não conhece o Aparício. Se conhecesse, estaria chorando.


Prestes a chegar aos correios, fui acometido por uma nova onda de pavor. O Aparício estava lá, a poucos passos de mim, era como se estivesse me seguindo, bastaria um giro de cabeça para me avistar. Não me dei ao luxo de bobear, ainda mais porque ouvi alguém pronunciando o meu nome ao longe. Seria ele? Será que me viu?


Fiz de conta que não era comigo. Esqueci os correios e fugi pela esquerda. Enviaria os livros no dia seguinte, qualquer coisa seria melhor que topar com o Aparício. Protegi-me atrás de umas moças que empurravam um carrinho de amostras — o que chamou a atenção dos seguranças do shopping — e sumi numa saída obscura para o estacionamento. Droga, agora já não me lembrava direito onde havia deixado o carro, era difícil me orientar a partir daquele ponto, mas, repito, qualquer coisa seria melhor que aturar o Aparício.

Meia hora depois e praticamente banhado em suor — a reunião já estava perdida, mais um atraso constrangedor —, finalmente encontrei o meu velho e paciente automóvel. Pensei estar salvo, ufa!, mas o caso é que as portas do elevador se abriram e dele saiu, acompanhado por um fulano que eu não conhecia… quem?! Claro, coincidência maldita: o Aparício!

Como um dublê de cinema, atirei-me por sobre o capô de um Creta e consegui me esconder a tempo. Ralei os cotovelos e acho que trinquei umas duas costelas, mas não me importei muito, não. Nem o inferno seria pior que o Aparício. Fiquei quietinho atrás do carro, só ouvindo o que ele e o amigo conversavam:

— Que pressa é essa, Aparício? — disse o fulano que eu não conhecia. — Você não disse que queria comprar umas camisas?

— Melhor deixar para amanhã. Vi um sujeito aí no shopping que é mais chato que um caminhão de macacos. Por pouco não esbarrei nele.

— Que exagero, Aparício.

— Exagero o escambau! O cara é um grude. Parece até que está me seguindo! Sorte que consegui fugir a tempo.

E, para me deixar quebrado de uma vez, o Aparício sentenciou:

— Você ri, né? É porque não conhece o Maicon. Se conhecesse, estaria chorando…


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