Palestra sobre Leitura

Um frentista me explicou que o colégio ficava diante de um pequeno cemitério. Não avistei exatamente o campo-santo, mas a capelinha mortuária que, supus, ocultava as lápides e as cruzes. Estacionei o meu terceira-mão, peguei o pacote de livros e atravessei a rua.


Correndo.


Não só por medo de estar atrasado, mas também porque chovia.
Era hora do recreio. Não sem alguma dificuldade, encontrei a sala dos professores. Fui atendido pela diretora:


— Posso ajudar, moço?


— Combinei com a professora Lurdes de fazer uma palestra sobre leitura.


A diretora me olhou de alto a baixo, avaliando-me, e deixou que suas sobrancelhas se arqueassem com a desconfiança inicial. Sejamos compreensivos: um alemão-batata despenteado e mal-vestido, e ainda por cima usando chinelos de dedo por causa de um calo inflamado, poderia no máximo palestrar sobre a estética pós-moderna no cinema de Zé do Caixão.


— Professora Lurdes? — disse ela, por fim. — Não temos nenhuma professora Lurdes por aqui.


— Temos, sim — informou uma auxiliar que se aproximava. — É a nova professora de Química. Só que hoje ela faltou.


Química? Eu não conhecia a professora Lurdes pessoalmente, mas me pareceu, ao telefone, que ela trabalhava com Português. De qualquer forma, não dei importância ao fato, até porque a diretora mudou de atitude e passou a me guiar pelo corredor.


— Vamos fazer o seguinte, Maicon. É Maicon, né? Tem um terceiro ano sem professor lá no segundo andar. Por que você não dá a palestra para eles?


Tudo bem, pensei, não é a primeira vez que tapo um buraco. Subi e encontrei uma sala normal de terceirão: fogo cruzado de borrachas e bombas de papel; dois marmanjões, na frente, trocando sopapos; um terceiro, sobre uma carteira, imitando o Tarzan.


Cinco minutos de gritaria bastaram para que a diretora acalmasse a classe e desse o fora.


Agora era comigo.


— Como vocês sabem — comecei —, a professora Lurdes combinou que eu viria aqui falar sobre leitura.


— Não — disse uma menina da primeira fila. — Ela não avisou nada pra gente.


De fato, era claro que ninguém tinha a menor ideia do que eu estava fazendo ali. Havia pormenores mal explicados naquela manhã, mesmo assim fui adiante. Fiquei mais ou menos quarenta minutos falando sobre a importância da leitura para uma plateia que me olhava com espanto, ironia ou indiferença. Os papeizinhos vez ou outra voavam, os marmanjões se cutucavam.


Quando ouvimos o sinal, resolvi me despedir:


— É isso, moçada. Agradeço a atenção (ironia?) e reconheço que foram muito instrutivos, para mim, esses minutos que passei com vocês aqui no Colégio Alberto Santana…


— Aqui não é o Alberto Santana — zoou alguém. — Aqui é o Arthur Azevedo.


Sim, havia pormenores mal explicados naquela manhã.


O primeiro deles: errei de colégio!

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