Quando abri os olhos, enxerguei apenas uma mancha de céu azul. Mais do que as ondas quebrando no mar, ouvi vozes agudas que se misturavam e zuniam ao pé do meu ouvido. Ao tentar me erguer, surpresa. Meus braços, minhas pernas e até meus cabelos estavam presos por centenas de cordinhas firmemente atadas a estacas menores e mais finas que palitos de dente. Virei os olhos o mais que pude e vi um homenzinho de seis polegadas sobre o meu peito.
— Estou sonhando? — perguntei.
— Quieto! — disse ele, e me espetou com a minúscula lança que trazia consigo. Foi como levar uma picada de abelha.
— Ai!
— Quieto! — disse ele de novo, e de novo me espetou.
Resolvi aguentar a dor porque logo vi que o homenzinho não estava só. Havia pelo menos uns mil iguais a ele. Todos armados com lancinhas, arquinhos e flechinhas.
Só então pude notar que os diabinhos estavam empenhados em explorar o meu corpo. Alguns entravam pelos bolsos da minha calça; outros, pelos da camisa. Um pequeno grupo, com o auxílio de correntes e cavalos em miniatura, tentava arrancar uma de minhas botas.
Senti uma coceira quente no ouvido. É que um dos homenzinhos, segurando um facão e uma tocha, enfiava-se pelo buraco da minha orelha esquerda. Temendo que eles resolvessem explorar outros dos meus orifícios, decidi tomar uma atitude. Comecei a me soprar e a me torcer em caretas horríveis, assim como quem está com as mãos ocupadas mas precisa se livrar de moscas incômodas. Uma gargalhada de formigas explodiu ao meu redor.
— Que lugar é esse?
Pensei que o homenzinho me espetaria de novo, mas não. Cheio de pose, respondeu:
— Você está em Lilipute.
— Lilipute é? Saia já da minha orelha. E nem pensem em entrar nas minhas cuecas. Se insistirem, “liliputo” ficarei eu!
O homenzinho tentou calar minha insolência com a lança, mas dessa vez fui mais rápido. Soprei o safado com toda a força dos meus pulmões. O golpe de ar o atingiu em cheio. Ele voou longe, longe.
Os outros se assustaram. Berrei um palavrão (que não posso repetir aqui) tão alto, mas tão alto, que quase todos os liliputianos ficaram momentaneamente surdos. Livrei-me das cordas, que eram mais frágeis do que supus, e comecei a soprar e a dar piparotes nos monstrinhos.
De repente apareceu o rei pedindo clemência. Atenderia qualquer desejo se eu parasse de sacanear com o povo dele. Pedi algo para escrever. Trouxeram-me, do exterior, um navio carregado de cadernos de caligrafia. Com a pontinha das unhas, peguei uma pena e comecei a anotar as frases deste texto. Cada letra, cada ponto, cada vírgula, ocupava um caderno inteiro. Quanto trabalho, meu Deus!
Eqnutnao perpravra os dios mil e qiuhntenos pombos-croerio que lveariam o tetxo ao jnaorl, mtoius cdearnos e mtaius lteras se msitaurram, cfunondnindo a prate final da mnesgaem. Tomara que o pessoal da redação tenha arranjado um tempinho para reorganizar tudo antes de publicar.