Uma do Nelson

Essa quem me contou foi o Moacir Loth. Diz respeito a Nelson Rodrigues, o anjo pornográfico, o tarado de suspensórios, o patife da montanha, epítetos é que não faltam para caracterizar um dos mais famosos jornalistas brasileiros de todos os tempos. Embora não tenha encontrado a historinha do Loth na biografia escrita pelo Ruy Castro, vou dar um crédito ao meu amigo porque não dá para duvidar de nada.


Diz-se que corriam os anos 1970, a última década de vida do nosso herói. Cercado de glórias e maledicências, Nelson morava num apartamento do Rio, escrevia com frenesi e continuava alimentando uma coluna sobre esportes, ou seja, sobre futebol. Num domingo de Fla-Flu no Maracanã (Estádio Mário Filho é o nome correto, dado em homenagem ao primogênito da família Rodrigues), Nelson recebeu a visita de um repórter que desejava entrevistá-lo a propósito do sucesso de suas peças teatrais.


Quando o rapaz escutou o foguetório e viu pela janela o fluxo que se dirigia ao estádio, começou a fazer mesuras e a se desculpar com o mestre:


— Me esqueci do Fla-Flu! Sei que o senhor precisa assistir ao jogo para fazer a coluna. Volto amanhã.


— Nada disso — resmungou o velho. — Sente-se aí que hoje estou com vontade de bater papo.


E assim passaram a tarde falando sobre Vestido de Noiva, Beijo no asfalto e Toda nudez será castigada. Nelson Rodrigues tinha um jeito meio embuchado de pronunciar as palavras, com um discurso sempre cravejado de ironia, tanto que ninguém conseguia saber ao certo se ele estava falando à brinca ou à vera.


Quando a noite caiu e o repórter se preparava para a despedida, Nelson pediu que lhe telefonasse da rua informando o resultado do Fla-Flu. Assim fez o rapaz, mas com a consciência pesada, pois impedira o entrevistado de se divertir com os lances do jogo. Mas — e o Loth quase levanta voo ao me contar essa parte — qual não foi a surpresa do repórter ao abrir o jornal no dia seguinte e ler, em todos os detalhes e emoções, o comentário de Nelson Rodrigues sobre TUDO que aconteceu na partida?


Dizem que os mestres fecham os olhos para escrever. Nelson sequer se dava ao trabalho de abri-los.

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