Alguém já disse que o melhor dos temas é a vingança. Talvez seja verdade, haja vista o uso e o abuso que a melhor e a pior indústria cultural fizeram dela. Não fosse a vingança, muito do cinema, da literatura, dos quadrinhos e até das tiradas de humor sequer existiriam.
Os chamados filmes de gênero só conseguiram produzir em escala graças às facilidades que o mote da vingança dá ao roteiro. Isso vale tanto para o wuxia (pancadaria chinesa) como para spaghetti western (tiroteios à italiana filmados nos desertos da Espanha). O filme Kill Bill bebe a gosto nessas duas fontes do cinema periférico. Não é à toa, portanto, que Quentin Tarantino retoca o tema da vingança com o púrpura da morbidez e o exagero da ironia.
Da mesma forma, podemos perguntar o que seria da literatura folhetinesca sem esse sentimento paradoxal que, sendo destrutivo, também sabe construir. O Conde de Monte Cristo, por exemplo, teria apodrecido nas masmorras. E me atrevo a dizer que Sherlock Holmes brilhou mais que Dupin graças ao espírito vingativo do arquivilão Moriarty. Mais recentemente, para não citar as impávidas heroínas de Sidney Sheldon e Danielle Stell, fico com o protagonista do Diário do Farol, romance de João Ubaldo Ribeiro. Eis uma vingança com a autêntica marca da maldade, visceral e peregrina, que não admite remorso ou hesitação. É ler para crer.
O mundo dos quadrinhos não é diferente. Basta uma ilustração para percebermos que o Batman é um maníaco atormentado pelo desejo de matar. Ele não quer proteger a lei, como sustentam algumas versões. Quer vingança, apenas vingança. Veste-se de morcego e percorre o submundo de Gotham na fé de que topará com o assassino dos seus pais. Mesma coisa é o Homem-Aranha. O que muda é a versão teen e os impulsos vingativos disfarçados de um estranho senso de responsabilidade.
Mas o melhor da vingança, descartando telas e páginas, está na retórica. Ao contrário dos invejosos, que jamais declaram o seu sentimento maligno, os vingativos muitas vezes são grandiloquentes. Heinrich Heine só queria uma boa cabana, com flores na janela e belas árvores no jardim. “E, se Deus quiser tornar completa a minha felicidade, me concederá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos enforcados nessas árvores.”
Nenhum deles, porém, foi mais sincero que Mário de Andrade. Perguntado se perdoaria Oswald de Andrade, companheiro de geração com quem rompera drasticamente, respondeu:
— Se eu visse ele se afogando, acho que o meu impulso natural seria pegar num pau e dar para ele se salvar. Mas logo, refletindo, eu perceberia que devo odiar ele, e o pau me serviria para empurrar ele mais fundo na água bendita.
Água bendita?! A vingança, como nos ensinam os antigos (e o cinema, e os livros, e os gibis), é um prato que se come frio. Com sarcasmo… e criatividade.