Pequenos grandes romances

Sobre a qualidade dos livros dos escritores do nosso e de outros tempos, tenho uma “tese” meio controversa que, por isso mesmo, não deve ser levada a sério. Mas insisto em descrevê-la e exemplificá-la; afinal de contas, assim como este espaço precisa ser preenchido, a necessidade de se discutir literatura, ainda que essa seja a mais utópica das discussões, precisa ser considerada.


Sendo assim, lá vai: os melhores romances são os menores, nem mais nem menos. E quando digo “menores”, refiro-me ao tamanho do livro, ao número de páginas reduzido, não mais de 140, de modo que a leitura se dê em uma ou duas sentadas. Para corroborar a ideia, poderíamos até lançar uma espécie de slogan: grandes autores, pequenos romances.


Comecemos com um exemplo maiúsculo: Gabriel Garcia Márquez. Além de criar o mundo simbólico de Cem Anos de Solidão e a mitologia humanista de O Amor nos Tempos do Cólera, ambos romances caudalosos que exigem tempo e apego do leitor, deu o melhor de si numa noveleta chamada Crônica de Uma Morte Anunciada, um exemplo de elegância estilística, engenho narrativo e realismo ficcional.


Não que os outros livros de Márquez sejam ruins, não é isso, mas é como se, em cada palavra do livro menor, ele pudesse concentrar todas as suas virtudes e toda a sua experiência de contador de histórias. Perdi a conta de quantas vezes li a Crônica, mas em todas elas, disso lembro bem, descobri algo novo e inusitado, em leituras sempre rápidas e contagiantes.


O mesmo pode ser dito sobre escritores com estilos tão diferentes quanto Franz Kafka e Ernest Hemingway. Mesmo aqueles que entraram n’O Castelo e enfrentaram O Processo de Kafka, romances monstruosos no conteúdo e no tamanho, sentiram-se mais à vontade nas poucas páginas d’ A Metamorfose, mesmo que elas relatem a desgraça de Gregor Samsa, o homem que um dia acordou transformado em inseto.


Já Hemingway, um superstar das letras, teve que escrever os milhares e milhares de parágrafos de Adeus às Armas e Por Quem os Sinos Dobram antes de reunir a serenidade necessária para escrever o mais belo e comovente dos romancinhos ocidentais: O Velho e o Mar. E a lista de exemplos continua ao infinito: Aura, de Carlos Fuentes; A Morte e a Morte de Quincas Berro d’ Água, de Jorge Amado; O Alienista, de Machado de Assis; Morte em Veneza, de Thomas Mann.


Mas a grande verdade, para não transformar minha “tese” em norma, é que muitos leitores se sentiriam desamparados sem os tijolões de Ana Karenina ou Guerra e Paz, sem as 785 páginas d’O Arco-íris da Gravidade, de Thomas Pynchon, e as mil e poucas d’ A Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe.

1 comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *