O senhor tem toda razão

Não estou para discussão. É que certas discussões não servem para nada mesmo. Na escola nos ensinam que devemos defender nossos pontos de vista com religiosidade canina, mas basta que entremos no mercado de trabalho para descobrir que não há ponto de vista mais certeiro que o silêncio.


“Pão, pães, é questão de opiniães”, já dizia o Guimarães, que também gostava de rimar. Por isso, às contendas de Esparta e aos apaixonados colóquios de Atenas, gostaria de contrapor a quietude e a serenidade de um undiscovered country hamletiano. Já que no fim, a exemplo do recalcitrante príncipe da Dinamarca, todos descobriremos que “o resto é silêncio”, reservo-me o direito de fechar a boca desde já.


Antes, porém, conto uma historinha que ilustre as palavras acima.


Dizem que o presidente Lincoln, no seu primeiro mês de mandato, foi procurado por um ministro que debulhou o pau sobre os colegas de trabalho, que fulano era incompetente, que sicrano era isso, era aquilo e o diabo a quatro.


Sem interromper, Lincoln ouviu tudo que o outro tinha a dizer. Então, com toda a calma do mundo, respondeu:


— O senhor tem toda razão.


Como se fossem mágicas, as palavras do presidente fizeram o ministro sorrir e deixar o gabinete com a alma lavada.


Daí a pouco entra outro ministro, que também se mosqueteia em brados de lamento e indignação. Embora dissesse o oposto do ministro anterior, em nada divergia nos modos e no vocabulário.


— O senhor tem toda razão — repetiu Lincoln, e o ministro número dois rapidinho largou do seu pé.


O assessor, que estava de butuca, ficou indignado com o que presenciou e pediu um particular com o velho Lincoln:


— O que é isso, senhor presidente? O senhor não pode ter duas caras, concordar sem mais nem menos com duas opiniões tão diferentes. Com todo o respeito, senhor presidente, desculpe minha intromissão, mas o cargo que o senhor ocupa não é digno de um comportamento dessa natureza.


Lincoln ficou um instante em silêncio. Estaria desconcertado com o puxão de orelha? O que passava por sua cabeça? Finalmente olhou para o assessor, mas olhou bem sério, e sequer piscou ao responder:


— Sabe que o senhor também tem toda razão?


(Repito: não estou para discussão. Portanto, seja qual for seu julgamento sobre esta crônica, saiba que o senhor está coberto de razão).

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