Ontem me ocorreu um troço esquisito. Estava no centro da cidade quando, de repente, sem quê nem por quê, tudo deixou de fazer sentido. O tudo que eu digo eram as pessoas, os automóveis, as casas, o comércio, o mundo.
Por que paramos no vermelho e seguimos no verde? Por que a calçada se chama calçada e não, por exemplo, pedestal? Por que todo mundo anda tão depressa? Por que rimos? Por que choramos de vez em quando?
— Caramba! — pensei naquele instante. — Nada do que vejo possui significado real na vida.
Vida? Eis aí, arrojada contra minha face, a abstração das abstrações. Inútil tentar entendê-la nu momento em que até o voo dos pássaros me parece absurdo.
Parado no meio da rua, impedi que o trânsito prosseguisse.
— Não faz sentido — disse à motorista do primeiro carro. — Nada disso faz sentido.
A mulher se assustou, mas logo se recompôs e meteu a mão na buzina.
— Sai da frente, seu idiota!
— Não, minha senhora, não é nada disso. Esse seu automóvel, o seu penteado, as suas próprias palavras… é tudo uma ilusão.
— Eu vou acelerar, hein! Sai que eu passo por cima.
Obedeci, lógico, mas por puro reflexo condicionado. Salvar a pele também não fazia o menor sentido. Deixar que ela me atropelasse? Uma bobeira de igual tamanho.
Eu ria porque estava feliz em partilhar minha descoberta com a humanidade. Comecei a barrar as pessoas que iam e vinham na calçada, ou no pedestal, tanto faz. Embora não soubesse bem como me expressar, havia uma grande notícia a ser transmitida.
— Parem — trombeteei. — Parem já o que estão fazendo, voltem para suas casas, isso não precisa ser assim.
— Quem é o palhaço? — ouvi alguém perguntar.
— Não, eu não sou quem pensam que sou, e vocês não são quem penso que são. É tudo tão simples, entendem?
Alguém trombou comigo e, sem me olhar direito, esbravejou:
— Por que não arruma um emprego, ô babaca?!
Foi aí que as coisas voltaram ao normal. As pessoas, os automóveis, o corre-corre frenético de cada manhã, a vida reconquistava a segurança e a harmonia de sempre.
Lembrei que estava atrasado para o dentista. Então abaixei as orelhas e, num passo apertado, segui no ritmo da multidão.