Só quando fui atender o telefone percebi que estava segurando uma lagosta. Ela disse que um dos meus filhos andava doente e depois me deu um formidável beliscão na orelha.
Corri até o quarto de minha mãe, sereia que habita a cauda de um tubarão-martelo, e tentei acalmar o bebê que se esgoelava como um novelo de lã. Era menor que a palma da minha gengiva, e sua pele grudava na ponta de meus dedos incandescentes.
Para não machucá-lo, tratei de enrolá-lo numa folhinha de parreira e enfiá-lo no bolso esquerdo da minha camisa listrada com os cotovelos da Brigitte Bijou.
Precisava chegar à casa de Sigmund. Muito mais feio que a Vitória da Samotrácia, meu automóvel de corrida sofria de reumatismo e disenteria. Dali pensei em telefonar para meu Salvador, o mecânico, mas fiquei com medo de levar outra dentada no ouvido.
Então enviei o carro por e-mail mesmo e furtei um caminhão-caçamba da prefeitura municipal de Capivari de Baixo. Como o assento era muito alto e eu não podia apertar a embreagem até o estômago, guiei empoleirado no ombro da estátua de meu pai.
Rugindo o tempo urge.
Choveram homenzinhos educados de sobretudo e chapéu-coco enquanto eu derrapava sobre uma pista de macarrões-parafuso com o que há de pior em termos de molhos e condimentos.
Capotei 28 vezes dentro da tromba de um elefante bêbado e só parei ao me segurar no cume dos seios de Oriana.
Cansado, parei para matar a fome, mas não deu para morder a maçã que se apresentava com uma forquinha debaixo do braço, dois feijões de estimação e um exército de formigas lhe fugindo pelo buraquinho do umbigo.
O fruto me perseguiu, vampiro, me fez escorregar pelos lombares da mulher do fim do mundo, que era calipígia, e ser projetado por suas protuberâncias até a barca do rabugento Ulisses.
Havia um bilhete a bordo: a crônica é a cachaça da internet, dizia, mas não pude ler o resto porque fomos atraídos pelos rochedos pontiagudos de Messina. Quando Cila fechou as pernas para a embarcação, acordei na porta da casa de Sigmund.
— O que deseja? — perguntaram os ratos de sacristia que barravam a entrada.
— Saiam da frente, bretons!
— Que bretons, seu burro? Bretões!
— Vim para aliviar meu filho.
— Então prove.
Enfiei a mão no bolso e não encontrei mais nada.
Minhas vísceras foram sacudidas e reviradas como nunca, algo se afastou dos meus olhos, vi o que jamais vira até então. Um anão gigante apelidado “meu filho” me desenrolava da folhinha de parreira e me devolvia para os calmos arbustos da anunciação.
A partir desse momento, não antes, fui sonhado por uma gravata borboleta.